A 12 de Abril de 1633 começava o processo da Inquisição a Galileu Galilei. Neste mês de Liberdade, a homenagem de António Gedeão.
POEMA PARA GALILEU
Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que
toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça
desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção
de pano.
Aquele retrato da Galeria
dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileo! Eu não
disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos
Ofícios.)
Aquele retrato da Galeria
dos Ofícios da requintada Florença.
Lembras-te? A Ponte
Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria…
Eu sei… eu sei…
As margens doces do Arno
às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileo
Galilei!
Olha. Sabes? Lá em
Florença
está guardado um dedo da
tua mão direita num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que
pensa
que entraste no
calendário.
Eu queria agradecer-te,
Galileo,
a inteligência das coisas
que me deste.
Eu,
e quantos milhões de
homens como eu
a quem tu esclareceste,
ia jurar- que disparate,
Galileo!
- e jurava a pés juntos e
apostava a cabeça
sem a menor hesitação-
que os corpos caem tanto
mais depressa
quanto mais pesados são.
Pois não é evidente,
Galileo?
Quem acredita que um
penedo caia
com a mesma rapidez que um
botão de camisa ou que um seixo da praia?
Esta era a inteligência
que Deus nos deu.
Estava agora a lembrar-me,
Galileo,
daquela cena em que tu
estavas sentado num escabelo
e tinhas à tua frente
um friso de homens doutos,
hirtos, de toga e de capelo
a olharem-te severamente.
Estavam todos a ralhar
contigo,
que parecia impossível que
um homem da tua idade
e da tua condição,
se tivesse tornado num
perigo
para a Humanidade
e para a Civilização.
Tu, embaraçado e
comprometido, em silêncio mordiscavas os lábios,
e percorrias, cheio de
piedade,
os rostos impenetráveis
daquela fila de sábios.
Teus olhos habituados à
observação dos satélites e das estrelas,
desceram lá das suas
alturas
e poisaram, como aves
aturdidas- parece-me que estou a vê-las -,
nas faces grávidas
daquelas reverendíssimas criaturas.
E tu foste dizendo a tudo
que sim, que sim senhor, que era tudo tal qual
conforme suas eminências
desejavam,
e dirias que o Sol era
quadrado e a Lua pentagonal
e que os astros bailavam e
entoavam
à meia-noite louvores à
harmonia universal.
E juraste que nunca mais
repetirias
nem a ti mesmo, na própria
intimidade do teu pensamento, livre e calma,
aquelas abomináveis
heresias
que ensinavas e descrevias
para eterna perdição da
tua alma.
Ai Galileo!
Mal sabem os teus doutos
juízes, grandes senhores deste pequeno mundo
que assim mesmo,
empertigados nos seus cadeirões de braços,
andavam a correr e a rolar
pelos espaços
à razão de trinta
quilómetros por segundo.
Tu é que sabias, Galileo
Galilei.
Por isso eram teus olhos
misericordiosos,
por isso era teu coração
cheio de piedade,
piedade pelos homens que
não precisam de sofrer, homens ditosos
a quem Deus dispensou de
buscar a verdade.
Por isso estoicamente,
mansamente,
resististe a todas as
torturas,
a todas as angústias, a
todos os contratempos,
enquanto eles, do alto
incessível das suas alturas,
foram caindo,
caindo,
caindo,
caindo,
caindo sempre,
e sempre,
ininterruptamente,
na razão directa do
quadrado dos tempos.
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