Setembro está a terminar. Vamos fazer uma despedida diferente nestes três últimos dias.
Comecemos por um poema de Eugénio de Andrade, o poeta apaixonado por gatos, livros e música, seus eternos companheiros. Era, aliás, um conhecedor profundo dos grandes compositores clássicos e utilizava frequentemente a palavra “música” como sinónimo de “poesia”.
Quantas vezes ouvi eu já o Opus 111 ou a Viagem de Inverno? Centenas, certamente. Oiço Beethoven, Mozart e Schubert desde miúdo (...); quando chego a casa, farto de encontrões nos autocarros e do cheiro a podre da cidade, não sei de nada que mais me reconcilie com o mundo do que voltar a essa música.
Não sei
como vieste,
mas deve
haver um caminho
para
regressar da morte.
Estás
sentada no jardim,
as mãos no
regaço cheias de doçura,
os olhos
pousados nas últimas rosas
dos grandes
e calmos dias de setembro.
Que música
escutas tão atentamente
que não dás
por mim?
Que bosque,
ou rio, ou mar?
Ou é dentro
de ti
que tudo
canta ainda?
Queria
falar contigo,
Dizer-te
apenas que estou aqui,
mas tenho
medo,
medo que
toda a música cesse
e tu não
possas mais olhar as rosas.
Medo de
quebrar o fio
com que
teces os dias sem memória.
Com que
palavras
ou beijos
ou lágrimas
se acordam
os mortos sem os ferir,
sem os
trazer a esta espuma negra
onde corpos
e corpos se repetem,
parcimoniosamente,
no meio de sombras?
Deixa-te
estar assim,
ó cheia de
doçura,
sentada,
olhando as rosas,
e tão
alheia
que nem dás
por mim.
Eugénio de Andrade, Antologia Poética
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