No próximo domingo é DIA DA MÃE, pelo que começamos a publicar alguns textos, como este de Manuel Alegre. Queres enviar a tua escolha?
Rosas vermelhas
Nasci em Maio, o mês das rosas, diz-se. Talvez por isso eu fiz da rosa a minha flor, um símbolo, uma espécie de bandeira para mim mesmo.
E todos os anos,
quando chegava o mês de Maio, ou mais exactamente, no dia 12 de Maio, às dez e
um quarto da manhã (que foi a hora em que eu nasci), a minha mãe abria a porta do meu quarto,
acordava-me com um beijo e colocava numa jarra um ramo de rosas vermelhas, sem
palavras. Só as suas mãos, compondo as rosas, oficiavam nesse estranho silêncio
cheio de ritos e ternura.
Nesse tempo o Sol
nascia exactamente no meu quarto. Eu abria a janela. Em frente era o largo, a
velha árvore do largo dos ciganos. Quando chegava o mês de Maio, eu abria a
janela e ficava bêbado desse cheiro a fogueiras, carroças e ciganos. E
respirava o ar de todas as viagens, da minha janela, capital do mundo,
debruçado sobre o largo onde começavam todos os caminhos.
E tudo estava certo,
nesse tempo, ou, pelo menos, nada tinha o sabor do irremediável. (…)
E eu dormia poisado
sobre a eternidade, como se tudo estivesse certo para sempre, eu dormia com
muitos olhos, muitos gestos vigilantes sobre o meu sono. Por vezes tinha
pesadelos, acordava, inquieto, a meio da noite, qualquer coisa parecia querer
despedaçar-se e então exclamava:
- Mãe! (…)
Em Maio de 1963 eu
estava na cadeia. Por vezes, a meio da noite, um grito abalava as traves da
minha cabeça, direi mesmo da minha vida, e eu acordava suado, dolorido, como se
um rato (talvez o medo?) me roesse o estômago. E era inútil chamar. Onde ficara
essa voz que dantes vinha repor o sono no seu lugar, repondo a paz dentro de
mim? E as manhãs penduradas no mês de Maio, onde acordar era uma festa? Onde
ficara a ternura? Onde ficara a minha vida? (…)
Por isso, em Maio de
1963, eu estava na cadeia, isto é, de certo modo, eu estava no meu posto. No
dia 12 não acordei com o beijo de minha mãe.
Porém, nessa manhã
(não posso dizer ao certo porque não tinha relógio, mas talvez – quem sabe? -,
às dez e um quarto, que foi a hora em que eu nasci), o carcereiro abriu a porta
e entregou-me, já aberta, uma carta de minha mãe. E ao desdobrar as folhas que vinham dentro do sobrescrito
violado, a pétala vermelha, duma rosa vermelha, caiu, como uma lágrima de
sangue, no chão da minha cela.
Manuel Alegre, Praça da canção
Tenho a obra de Maria Teresa Horta «A Mãe na literatura portuguesa» e sempre que (re)leio esse texto emociono-me. É extraordinário!
ResponderEliminarPodemos compartilhar esse texto?
EliminarClaro que sim. Também gosto muito deste:
ResponderEliminarPequeno poema
Quando eu nasci,
ficou tudo como estava.
Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve Estrelas a mais...
Somente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.
Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.
As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém...
Pra que o dia fosse enorme,
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe...
SEBASTIÃO DA GAMA
In Serra-Mãe