No último
sábado, o Jornal i publicava um artigo, assinado por Inês Teotónio Pereira, que
reproduzimos, por acharmos muito actual e a merecer reflexão:
Manifesto pela libertação dos pais
Sempre que racionalizo sobre a vida escolar dos meus filhos lembro-me de um tio meu que nem sabia qual o ano que os filhos frequentavam. Eles iam para a escola, vinham da escola e pronto. Era a vida deles. O meu tio tinha a vida dele. E foram todos felizes para sempre.
Pois eu tenho
imensa inveja do meu tio e os meus filhos têm imensa inveja dos filhos dele. A
verdade é que a minha segunda vida é a vida escolar dos meus filhos. Sei tudo
ao pormenor. É um bocado doentio. Aliás, o centro da nossa relação está no
estudo. Eu sei de cor as datas dos testes de cada um, os capítulos que vão sair
nos testes, as fichas que é preciso fazer e gasto canetas a assinar recados
sobre reuniões, festas, avisos, material para arranjar, queixas de falta de
material, etc.
Sou, posso
dizer sem modéstia, uma aluna dedicada. No outro dia o meu filho chegou a casa
com um teste e anunciou, todo orgulhoso: “Mãe! Tivemos 86 por cento!” Muito
bom. Fico sempre contente quando temos notas para cima dos 80 por cento
É por isso
que quando começam as férias, quando acabam os testes, acho sempre que mereço
um diploma, uma festa em minha homenagem, um discurso do director das escola a
exaltar com energia toda a minha entrega, dedicação, esforço, e a sublinhar o
facto de raramente querer assumir os louros, de encarar os excelentes
resultados (escassos) sempre com modéstia. Mas nada disso acontece. Ninguém me
liga. Antes pelo contrário.
A verdade, e
isto é doloroso assumir, é que em tudo o que diz respeito à vida escolar dos
meus filhos só as negativas é que são minhas, só as faltas de material é que
são da minha responsabilidade, só quando eles não fazem os trabalhos de casa é
que se lembram que eu existo. Porque a verdade é que, apesar do meu esforço,
nem sempre as coisas correm bem: há negativas, há trabalhos que ficam por
fazer, existem cadernos em estado miserável e há muitos recados que ficam por
assinar. E tudo isto é culpa minha. É sempre culpa minha.
E enquanto o
meu amor-próprio sofre estes choques, estes embates, os meus filhos jogam
futebol e dormem como uns anjinhos sem quaisquer remorsos, como se não tivessem
qualquer responsabilidade, como se tivesse sido eu a riscar o caderno.
Eles sabem,
eles no fundo sabem, que nunca ninguém lhes vai apontar o dedo, porque eles são
meras crianças. Inocentes crianças, coitadinhos. Precisam de apoio e de
motivação, precisam dos pais presentes. Sempre.
A expectativa
em relação aos pais, já se sabe, é baixa, e existem casos (assim como o do meu
tio) que não devem ser replicados. Mas não vale a pena humilhar. A verdade é
que os principais responsáveis pelas notas devem ser os próprios alunos, os
nossos filhos. Pois, apesar de serem crianças, não têm de ser irresponsáveis.
Aos pais cabe orientar, exigir, castigar e, claro, motivar. Agora estudar,
assim com o meu empenho? Não.
Os nossos
filhos devem ser avaliados e os pais responsabilizados na medida em que são
pais e não alunos. Até porque tudo isto é bastante injusto, porque os nossos
filhos são todos diferentes. Por exemplo, a minha filha está cheia de medo de
ir para o primeiro ano da escola porque diz que ainda não sabe ler, tenho outro
filho que acha que satisfaz excelente, tenho ainda outro que acha que é
excelente aluno e por isso não tem de estudar muito e tenho ainda outro que
nunca, mas nunca, dá um recado. E a culpa é minha, queres ver? Para o ano vou
desistir da escola e empenhar-me mais na exigência, vou fazer de entidade
reguladora e deixar que o mercado funcione por si. É por isso que anseio pelos
exames: talvez os exames façam com que eles fiquem (mais) ansiosos e equilibre
os níveis de stresse – mais stresse para eles e menos para mim, claro.
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