O restaurante está cheio.
Esperamos que o empregado nos
disponibilize uma mesa num recanto da sala onde se possa desfrutar
simultaneamente da refeição e da paisagem que se oferece, verde matizada de
azul de vários tons. É um privilégio poder almoçar e distrair as angústias e
preocupações de gente de um país pobre na paisagem ondulante de uma ponta a
outra do retângulo onde habitamos.
Enquanto aguardamos e proferimos
dissertações triviais, perco-me no tabuleiro de xadrez em que o espaço do
restaurante se transforma na minha cabeça. Algo de estranho habita os recantos
da sala, mas levo algum tempo até me dar conta. Só quando começo a ver peões
pouco afoitos por entre cavalos, torres e bispos cheios de vigor, é que tomo
consciência do motivo que nos levou àquele labirinto, precisamente naquele dia
e àquela hora.
Elas estão lá, as mães.
De rugas vincadas a tentarem
esconder-se por baixo de cremes, de mãos nervosas a segurarem nos talheres, de
olhares perdidos nos netos ou na gente do restaurante, os peões demoram a
estudar a posição onde se devem colocar e não se mostram capazes de optar por
avanços estratégicos.
Não estão acostumadas a sair, as
mães.
Fizeram o melhor que conseguiram.
Prometeram aos filhos que lhes fariam a vontade e que escolheriam um prato
inócuo para não virem a dar trabalho o resto da semana. Mastigam em silêncio,
enquanto os cavalos, as torres e os bispos, habilmente, tomam conta do
território.
Não estão habituadas a conversar, as
mães.
Já ninguém conversa com mães de idade; só outras mães, iguais a elas.
Os rapazes não as entendem, não sabem que palavras são aquelas que elas
utilizam nem que histórias aquelas que elas contam. O tempo deles é outro. Não
têm muito tempo: nem para as ouvir nem para tentar falar com elas. Gastam o
tempo todo a definir estratégias no tabuleiro de xadrez.
As mães conduzem a comida à boca com
medo que as mãos as atraiçoem e lhes sujem os vestidos que escolheram com
cuidado para lembrarem aos filhos que gostam de usar as prendas que eles lhes
oferecem pelo Natal. Mastigam devagar com receio que as novas tecnologias não
sejam suficientemente modernas e as possam deixar mal no restaurante onde
seriam aconselhadas pelo dono a nunca mais voltarem, já que não é de bom-tom
deixar os dentes rolar pela sala fora. Arranjam os óculos para fingir que ainda
veem tudo, que sabem muito bem que cores se usam esta primavera e que conseguem
reconhecer os vizinhos ou o médico de família.
Estão lá, as mães.
Não têm força para estudar a posição
em que se devem colocar no tabuleiro. Os cavalos, as torres e os bispos,
habilmente, avançam no território. Parecia mal não trazer as mães a almoçar,
hoje, a apanhar um pouco de ar, a ver o mar azul e o monte que ainda não é bem
verde mas que o vai voltar a ser.
Afinal, fartaram-se de falar no Dia
da Mãe.
Já que raramente se visitam, já que
poucas vezes se conversa com elas, já que há muito que não se levam a dar um
passeio, porque não levá-las a almoçar fora no Dia da Mãe?
Estarão lá outras mães como elas.
Serão muitos peões no tabuleiro de xadrez.
Os cavalos, torres e bispos da outra
fação vão ver que os filhos são rapazes responsáveis, que andam cansados, que
têm os seus trabalhos e as suas famílias, mas que não se esqueceram das mães.
Do Dia da Mãe.
Crepes num país de pés tristes, Raquel Ramos
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