04/05/2014

DIA DA MÃE


       O restaurante está cheio.

      Esperamos que o empregado nos disponibilize uma mesa num recanto da sala onde se possa desfrutar simultaneamente da refeição e da paisagem que se oferece, verde matizada de azul de vários tons. É um privilégio poder almoçar e distrair as angústias e preocupações de gente de um país pobre na paisagem ondulante de uma ponta a outra do retângulo onde habitamos.

       Enquanto aguardamos e proferimos dissertações triviais, perco-me no tabuleiro de xadrez em que o espaço do restaurante se transforma na minha cabeça. Algo de estranho habita os recantos da sala, mas levo algum tempo até me dar conta. Só quando começo a ver peões pouco afoitos por entre cavalos, torres e bispos cheios de vigor, é que tomo consciência do motivo que nos levou àquele labirinto, precisamente naquele dia e àquela hora.

        Elas estão lá, as mães.

     De rugas vincadas a tentarem esconder-se por baixo de cremes, de mãos nervosas a segurarem nos talheres, de olhares perdidos nos netos ou na gente do restaurante, os peões demoram a estudar a posição onde se devem colocar e não se mostram capazes de optar por avanços estratégicos.

        Não estão acostumadas a sair, as mães.

       Fizeram o melhor que conseguiram. Prometeram aos filhos que lhes fariam a vontade e que escolheriam um prato inócuo para não virem a dar trabalho o resto da semana. Mastigam em silêncio, enquanto os cavalos, as torres e os bispos, habilmente, tomam conta do território.

        Não estão habituadas a conversar, as mães.

       Já ninguém conversa com  mães de idade; só outras mães, iguais a elas. Os rapazes não as entendem, não sabem que palavras são aquelas que elas utilizam nem que histórias aquelas que elas contam. O tempo deles é outro. Não têm muito tempo: nem para as ouvir nem para tentar falar com elas. Gastam o tempo todo a definir estratégias no tabuleiro de xadrez.

     As mães conduzem a comida à boca com medo que as mãos as atraiçoem e lhes sujem os vestidos que escolheram com cuidado para lembrarem aos filhos que gostam de usar as prendas que eles lhes oferecem pelo Natal. Mastigam devagar com receio que as novas tecnologias não sejam suficientemente modernas e as possam deixar mal no restaurante onde seriam aconselhadas pelo dono a nunca mais voltarem, já que não é de bom-tom deixar os dentes rolar pela sala fora. Arranjam os óculos para fingir que ainda veem tudo, que sabem muito bem que cores se usam esta primavera e que conseguem reconhecer os vizinhos ou o médico de família.

     Estão lá, as mães.

      Não têm força para estudar a posição em que se devem colocar no tabuleiro. Os cavalos, as torres e os bispos, habilmente, avançam no território. Parecia mal não trazer as mães a almoçar, hoje, a apanhar um pouco de ar, a ver o mar azul e o monte que ainda não é bem verde mas que o vai voltar a ser.

      Afinal, fartaram-se de falar no Dia da Mãe.

     Já que raramente se visitam, já que poucas vezes se conversa com elas, já que há muito que não se levam a dar um passeio, porque não levá-las a almoçar fora no Dia da Mãe?

      Estarão lá outras mães como elas. Serão muitos peões no tabuleiro de xadrez.
      Os cavalos, torres e bispos da outra fação vão ver que os filhos são rapazes responsáveis, que andam cansados, que têm os seus trabalhos e as suas famílias, mas que não se esqueceram das mães. Do Dia da Mãe.

Crepes num país de pés tristes, Raquel Ramos



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