12/05/2014

MANUEL ALEGRE


  
    Nasci em Maio, o mês das rosas, diz-se. Talvez por isso eu fiz da rosa a minha flor, um símbolo, uma espécie de bandeira para mim mesmo.
   E todos os anos, quando chegava o mês de Maio, ou mais exactamente, no dia doze de Maio, às dez e um quarto da manhã (que foi a hora em que nasci), a minha mãe abria a porta do meu quarto, acordava-me com um beijo e colocava numa jarra um ramo de rosas vermelhas, sem palavras. Só as suas mãos, compondo as rosas, oficiavam nesse estranho silêncio cheio de ritos e ternura.
   (…)
   Em Maio de 1963 eu estava na cadeia.
   (…)
   Por isso, em Maio de 1963, eu estava na cadeia, isto é, de certo modo, eu estava no meu posto.
   No dia doze, não acordei com o beijo da minha mãe.
   Porém, nessa manhã (não posso dizer ao certo porque não tinha relógio, mas talvez – quem sabe? – às dez e um quarto, que foi a hora a que nasci), o carcereiro abriu a porta e entregou-me, já aberta, uma carta de minha mãe. E ao desdobrar as folhas que vinham dentro do sobrescrito violado, a pétala vermelha, de uma rosa vermelha, caiu, como uma lágrima de sangue, no chão da minha cela.

Manuel Alegre, Praça da canção
PARABÉNS!

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