08/09/2014

CHUVA

  A chuva que caiu recordou o texto de Laborinho Lúcio, em O chamador.

  É COM CHUVA QUE MAIS GOSTO DE ESCREVER. Tenho uma mesa de jogo, de tampo verde e pernas que encolhem. Trago-a para junto da janela. Chamo as folhas brancas, o lápis, um ou outro livro. Tudo como dantes. Ainda hoje não consigo desligar a escrita do lápis. Já não escrevo a lápis. Mas preciso dele, ali, ao pé de mim. E afiado. Um estranho ritual. Solto as aparas para o cesto de verga, até que o bico se apresente aprumado. Depois pouso as folhas sobre a mesa, à minha frente. Deito o lápis a seu lado. Guardo a afiadeira no velho estojo que ajeito no canto esquerdo. Acomodo os livros, à direita, um sobre o outro. Cuidadosamente colocados ao acaso. Completado o cenário, dedico-me ao computador. Abro-o. Ligo-o. Espero que acorde. Guio rato e chego ao texto que me aguarda, desde a última visita.
  Ao entardecer, porque com chuva entardece mais cedo, acendo, à esquerda, um candeeiro de pé alto de serpentina e lâmpada de luz amarelada.
  É então a luz que me traz para dentro. Agora só ouço a chuva a bater nas vidraças. Com frio, a manta de lã, aos quadrados, que enrolo nos joelhos, vai a preceito com o lápis, o papel e o candeeiro de serpentina.
  Muitas vezes, olho para a rua, mais do que escrevo.

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