28/09/2016

Setembro está a terminar. Vamos fazer uma despedida diferente nestes três últimos dias.
Comecemos por um poema de Eugénio de Andrade, o poeta apaixonado por gatos, livros e música, seus eternos companheiros. Era, aliás, um conhecedor profundo dos grandes compositores clássicos e utilizava frequentemente a palavra “música” como sinónimo de “poesia”.
Quantas vezes ouvi eu já o Opus 111 ou a Viagem de Inverno? Centenas, certamente. Oiço Beethoven, Mozart e Schubert desde miúdo (...); quando chego a casa, farto de encontrões nos autocarros e do cheiro a podre da cidade, não sei de nada que mais me reconcilie com o mundo do que voltar a essa música. 


Pequena Elegia de Setembro

Não sei como vieste,
mas deve haver um caminho
para regressar da morte.

Estás sentada no jardim,
as mãos no regaço cheias de doçura,
os olhos pousados nas últimas rosas
dos grandes e calmos dias de setembro.

Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?

Queria falar contigo,
Dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a música cesse
e tu não possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memória.

Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir,
sem os trazer a esta espuma negra
onde corpos e corpos se repetem,
parcimoniosamente, no meio de sombras?

Deixa-te estar assim,
ó cheia de doçura,
sentada, olhando as rosas,
e tão alheia
que nem dás por mim.


Eugénio de Andrade, Antologia Poética

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