27/11/2016

PORQUE HOJE É DOMINGO

Um domingo qualquer, Luís Sarmento


Poema de Domingo 

Aos domingos as ruas estão desertas 
e parecem mais largas. 
Ausentaram-se os homens à procura 
de outros novos cansaços que os descansem. 
Seu livre arbítrio alegremente os força 
a fazerem o mesmo que fizeram 
os outros que foram fazer o que eles fazem. 
E assim as ruas ficaram mais largas, 
o ar mais limpo, o sol mais descoberto. 
Ficaram os bêbados com mais espaço para trocarem as pernas 
e espetarem o ventre e alargarem os braços 
no amplexo de amor que só eles conhecem. 
O olhar aberto às largas perspectivas 
difunde-se e trespassa 
os sucessivos, transparentes planos. 
Um cão vadio sem pressas e sem medos 
fareja o contentor tombado no passeio. 

É domingo. 
E aos domingos as árvores crescem na cidade, 
e os pássaros, julgando-se no campo, desfazem-se a cantar empoleirados nelas. 
Tudo volta ao princípio. 
E ao princípio o lixo do contentor cheira ao estrume das vacas 
e o asfalto da rua corre sem sobressaltos por entre as pedras 
levando consigo a imagem das flores amarelas do tojo, 
enquanto o transeunte, 
no deslumbramento do encontro inesperado, 
eleva a mão e acena 
para o passeio fronteiro onde não vai ninguém. 


 Novos poemas póstumosAntónio Gedeão


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