12/04/2017

REFLEXÃO SOBRE O OVO

Adequado à época, um texto de Rubem Alves escrito para os seus netos, publicado no Correio Popular.

   O corpo da galinha sabe muito de geometria. Foi o ovo que me contou. Porque o ovo é um objeto geométrico construído segundo rigorosas relações matemáticas. A galinha nada sabe sobre geometria, na cabeça. Mas o corpo dela sabe. Prova disso é que ela bota esses assombros geométricos.
   Sabe muito também sobre anatomia. O ovo não é uma esfera. Ele tem uma parte mais grossa e uma parte mais fina. Há uma razão físico-anatômica para isso. É a mesma razão por que os pregos têm uma ponta fina: para entrar melhor no buraco. Você já enfiou uma linha no buraco de uma agulha? Primeiro é preciso afinar a ponta da linha com saliva e dedo. É a ponta afinada da linha que entra no buraco da agulha. Depois que a ponta fina passa pelo buraco, é fácil puxar a linha, fazendo passar a parte grossa. Pois o ovo tem de ter uma ponta fina para facilitar a sua passagem pelo fiofó da galinha. Se não tivesse a ponta fina ia ser mais difícil, ia doer mais…
  O corpo das galinhas é também um grande conhecedor de arquitetura. A forma do ovo dá resistência máxima aos seus frágeis materiais. Se o ovo fosse chato ele se quebraria quando a galinha se deitasse sobre ele, para chocar os pintinhos. Quando eu era pequeno eu e os meus amigos brincávamos de pegar um ovo, ponta fina na palma da mão, ponta grossa contra os dedos pai-de-todos e o seu-vizinho (espero que você tenha aprendido o nome dos dedos, minguinho, seu-vizinho, pai-de-todos, fura-bolo, mata-piolho) e apertar. Pois o ovo não quebrava. Mas não vá fazer essa experiência com esses ovos brancos, de granja. São ovos degenerados. Esses ovos se quebram, só de olhar. A forma do ovo faz com que as forças que sobre ele se exercem não o quebrem. É o mesmo princípio que os arquitetos usam para fazer arcos de janela, de portas e abóbadas gigantescas das catedrais em estilo românico, antes do concreto e do ferro. Se você não sabe o que é o estilo românico, pergunte ao seu professor de história. Aquilo que os arquitetos aprenderam depois de muito pensar, o corpo das galinhas sabe por nascimento, sem precisar pensar.
   Mas há ainda um outro assombro: a casca do ovo não pode ser muito mole porque, se fosse, o ovo se quebraria quando a galinha pisasse nele. A casca tem de ser dura o suficiente para suportar o peso da galinha, sem quebrar. Mas a casca também não pode ser muito dura. Como vocês sabem, as galinhas “chocam“ os ovos. Deitam-se sobre eles por 21 dias para, com o seu calor, realizar a transformação da gema em pintinho. Quem foi que ensinou isso para a galinha? Ninguém. O corpo dela nasceu sabendo. A idéia já está lá. Ao cabo de 21 dias os pintinhos estão prontos para sair. Para isso eles têm de quebrar a casca do ovo com o bico. Ora, se a casca do ovo fosse muito dura o pintinho não conseguiria furar a casca e morreria. Como é que a galinha faz esse complicado cálculo físico de resistência de materiais, casca nem muito mole e nem muito dura? Não sei. Só sei que ela sabe. Há um saber no seu corpo que faz cálculos engenhariais exatos.

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