Kazuo Ishiguro
Depois de
Dylan, o escritor nipo-inglês satisfaz a nova fixação da Academia Sueca: a
música. Ishiguro escreveu letras e queria ser músico. Ficou pelo caminho e
publicou oito livros.
Depois de Bob Dylan tudo
poderia acontecer ontem no anúncio do mais recente vencedor do Prémio Nobel da
Literatura. Pelo menos, venceu um "escritor", Kazuo Ishiguro, mesmo
que como alguns logo disseram seja um autor cada vez mais fascinado pelo
fantástico na sua obra, como é o caso do último romance (e de outro de 2005) em
que efabula sobre uma Inglaterra distópica. Que não é japonês como o nome dá a
entender, mas inglês por viver desde tenra idade na ilha devido aos seus pais
terem ido habitar para a Inglaterra e, posteriormente, ter optado por esta
nacionalidade.
Quem é Kazuo Ishiguro? A
secretária permanente da Academia sueca descreveu-o como sendo uma nebulosa que
anda por aí no universo literário: "Se misturarmos Jane Austen e Franz
Kafka, encontramos Ishiguro de uma forma resumida. Será preciso acrescentar a
esta mistura um pouco de Marcel Proust, e sem se misturar muito, temos a sua
escrita. Que é ao mesmo tempo um escritor de grande integridade e que
desenvolveu um estilo muito próprio". Minutos antes, Sara Danius tinha
justificado a escolha de Ishiguro assim: "Alguém, que em romances de uma
grande força emocional, não esconde o abismo entre o sentido do ilusório e a
sua ligação para o mundo".
O site do Nobel deu
imediatamente início a um inquérito em que se opta por já leu ou não Kazuo
Ishiguro? Os gráficos eram explícitos na relativa ignorância do autor, pois em
duas mil respostas nas duas horas seguintes só 39% referia que conhecia a obra
do ex-nipónico e agora inglês. Mas há muitos leitores que gostam da sua obra e acompanham
o seu percurso, é o caso de Salman Rushdie, seu amigo e um dos que mais uma vez
perdeu a corrida do Nobel, que logo twitou: "Muitos parabéns ao meu velho
amigo Ish, cujo trabalho eu amo e admiro desde que li A Pale View of Hills (As
Colinas de Nagasáqui). E ele toca guitarra e compõe canções, também! Roll
over Bob Dylan".
Poder-se ia dizer que
estava revelada a principal razão da escolha do júri liderado por Sara Danius,
que no ano passado impôs o músico norte-americano aos seus colegas, o facto de
haver música em força no escritor. O que é assumido pelo próprio pois ainda há
uns tempos escreveu um artigo no jornal The Guardian, ilustrado por
uma fotografia dele a tocar guitarra, em que contava como a canção de Ruby"s
Arms de Tom Waits serviu de inspiração para escrever a versão final do seu
romance mais conhecido e premiado, Os Despojos do Dia.
Vale a pena passar os
olhos por essa confissão recente, pois Kazuo Ishiguro refere no texto que
"as pessoas acham que o escritor deve trabalhar muitas horas", mas
ele contrapõe que mais de "quatro horas de escrita contínua diminui o
rendimento". Ora, isto dá imediatamente algum suporte às primeiras
opiniões que torceram o nariz a esta escolha da Academia Sueca, afinal até as
preferências dos apostadores nas agências colocavam no Top 10 escritores com
outra dimensão, principalmente com mais obra e muito mais horas de dedicação à
escrita. É que Ishiguro não escreveu até ao momento sequer uma dezena de
livros, rivalizando esta produção com um número maior de contos e de guiões. Ou
não seja o seu livro mais famoso uma espécie de Downton Abbey do passado, onde
Emma Thompson e Anthony Hopkins transcendem o texto com as suas interpretações
do "aclamado" Os Despojos do Dia.
Biblio e
biografia
A própria biografia
fornecida pela Academia confirma esse breve percurso, valorizando o facto de
que "além dos seus oito livros tem escrito vários guiões para cinema e
televisão". Não deixa de potenciar a sua vertente de escritor de
fantástico, como é o caso do romance que se passa numa Inglaterra distópica ao
dizer sobre ele: "Ishiguro introduz uma corrente fria subterrânea de
ficção científica na sua escrita, bem como várias influências musicais."
Está mais uma vez explicada a preferência na nova Academia Sueca em relação ao
Nobel: há sonoridade musical na sua carreira literária.
A sua obra está
traduzida em cerca de três dezenas de países e o jornal The Times colocou-o
em 2008 como o 32º autor mais importante entre os 50 escritores britânicos
desde 1945. Ishiguro foi nomeado para quatro prémios Man Booker, que venceu na
edição de 1989 com o romance Os Despojos do Dia . Um dos vários
romances que usam o passado como cenário antes de se dedicar a uma espécie de
ficção científica, livros que destacam de preferência os falhanços das pessoas
e que, dizem, nunca chegam a lado nenhum porque as personagens enovelam-se
entre o passado por resolver e o presente angustiado, escolhendo como final uma
"resignação melancólica".
Um comportamento que tem
muito de um modo de ser japonês, mesmo que Ishiguro numa entrevista com o Nobel
de 1994 desse país, Kenzaburo Oe, tivesse afirmado que os cenários dos seus
dois romances iniciais -o do Japão - eram pura imaginação: "Em Inglaterra,
onde cresci, mantive sempre uma imagem muito forte do meu país de origem, com o
qual sempre tive um ligação emocional".
Ishiguro nasceu em
Nagasaki mas viveu quase sempre na Inglaterra. Tornou-se cidadão inglês em 1982
e antes de se dedicar à escrita, queria ser músico - compôs para Stacey Kent -,
mas não foi aceite por nenhuma editora a quem enviou as suas composições. A sua
formação académica foi nas universidades inglesas de Kent e East Anglia,
licenciando-se em Inglês e Filosofia em 1978. Participou no curso de escrita
criativa dos escritores Malcolm Bradbury e Angela Carter, que terminou em 1980.
Nas suas próprias
palavras quis ser "um escritor que deseja escrever novelas
internacionais"
In "Diário de Notícias" de 6 de Outubro de 2017
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