02/12/2013

PROJECTO LEITURAS


   No mês de Dezembro, no Projecto Leituras, e em Ler+ mar. vamos falar de PRENDAS.  
   Na nossa memória estão os Natais da nossa infância e as desigualdades que então se verificavam de forma muito sentida. O texto que se segue disto nos dá testemunho:

   Sempre me impressionou que ela [a mãe] nem se lembrasse do dia dos nossos aniversários: não tínhamos qualquer iliusão acerca dos presentes, mas admitimos sempre que talvez merecêssemos um biscoito ou um sorriso dela. Nunca houve comemorações de coisa nenhuma. Prendas de Natal, muito menos ainda: as alfarrobas ou os rebuçados eram coisas incertas, vindas sem propósito e geralmente por mão estranha.
Gente feliz com lágrimas, João de Melo
     Este, de Ruben A. primo de Sophia de Mello Breyner Andresen, autobiográfico, apresenta-nos o mundo de Campo Alegre, bem em contraste com o anterior:
        

      Não conheci ninguém na família mais generoso do que a minha Mãe e a Tia Teodora. Para elas, dar era uma acto normal da vida, como respirar, movimentar-se, comer e beber. (....)
Estas idas colectivas à cidade enchiam-me de encanto. Primeiro parava em Cedofeita, onde ali, no Bazar dos Três Vinténs, os meus olhos e um pouco de dinheiro deixavam expandir-se os mil e um desejos de brinquedos de madeira, bolas, coisas acessíveis para se comprar a granel. Era aí que eu mercava os presentes para o Géninho e outros companheiros de jogos que durante as férias vinham à Quinta brincar comigo. O Bazar dos Três Vinténs

– que ainda hoje existe -popularizava os nossos desejos de compras, havia por lá de tudo que fosse para partir, para esconder, para «espilrar», era um misto de bazar de Natal e de Carnaval onde se encontravam por preço barato as coisas mais desarticuladas e coloridas que a indústria do Norte era capaz de produzir. É um bazar com uma espinha dorsal, tendo à direita e à esquerda montras contínuas de brinquedos, espécie de vitrines onde o debruçar quase parte os vidros que guardam cautelosamente os brinquedos, não vá alguém distrair-se no alcance... (...)


  Era ali que eu me requintava em brinquedos, sobretudo nos automóveis de corrida Bugatti que, com tanto êxito, haviam sido lançados no mercado daquele Natal. O dinheiro ia-se todo. As tias reparavam no que eu gostava mais, mandavam reservar, era surpresa, sem me dizerem abertamente a sua escolha. Eu olhava para aquele milagre de brinquedos, apetecia-me comprar a loja, levar a loja para a minha consoada, colocá-la mesmo ao lado da árvore de Natal do Campo Alegre, num dos recantos do átrio, e passear-me a olhar para os brinquedos. Fui sempre muito mais de ver e olhar para as minhas coisas, mecanos, jogos, etc., do que para os utilizar. Gostava tanto de ter coisas que fazendo-as funcionar me metiam medo, podiam-se estragar! Guardava os carros nas caixas, andava com eles debaixo do braço, limpava o pó, mas não lhes dava corda com medo de partir qualquer coisa, tinha medo do meu atabalhoado de mãos. Os meus brinquedos estavam sempre novos, eram brinquedos próprios para loja, sem rugas, pintadinhos de fábrica, avaros de uma costela judaica que não tenho. (...) Do Meccano confesso que nunca consegui fazer uma construção decente, aborrecia-me em absoluto ter de olhar para o programa e executar o que se mandava construir, talvez um guindaste ou uma estação de caminho-de- ferro. Gostava de ter coisas como factos, como fins nas suas próprias definições. Os brinquedos eram para mim motivo de estupendo entusiasmo, não precisavam, além disso, de serem utilizáveis. Para utilizar lá estavam as raquetes de ténis e pingue-pongue, as botas e bolas de futebol, os sticks de hóquei, os patins, as espingardas, etc.
RUBEN A., O mundo à minha procura

.(Estes livros podem ser requisitados na BE)

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