- Vejo dentro do corpo das pessoas quando estou em jejum - explicou Blimunda.
- Eu vejo a morte - disse Lillias
Hélia Correia promoveu o encontro destas duas personagens - Blimunda, do Memorial do convento, e Lillias Fraser que a escritora criou.
Vinda da Escócia, a fugir de outros problemas e da guerra, Lillias está em Lisboa, em 1755. Os poderes sobrenaturais, comuns a Blimunda, permitem-lhe prever, em finais de outubro, um perigo, que não consegue identificar, e muitas mortes .
Estava
a habituar-se àquele rugido, à súbita irrupção de labaredas sobre o sossego de
uma refeição, a deitar-se no meio dos escombros que de manhã se iriam dissipar.
As bocas que sangravam, muito abertas, surgiam como peixes entre as pedras.
Como tinha prometido à Irmã Teresa, pegou na imagem e começou a fuga de Lisboa, na véspera do 1 de novembro de 1755. Transcrevemos excertos das páginas que nos relatam todo o horror daquele dia e dos que se seguiram.
Lillias
começou a caminhar. Seguiu para norte sem que, no entanto a noite não
desaparecesse. Ia cozida com muros, escorregava no caldo de detritos, receosa
de que bichos das casas a sentissem e lhe denunciassem a presença.
A
terra estava em fúria, qual um touro varado por petardos numa arena. Muitos
iriam realmente interpretar aquelas convulsões como revolta moral da natureza, ante
os pecados que os humanos andavam cometendo. Muitos acharam que o bom Deus do
Papa castigava Lisboa pela sua submissão aos heréticos ingleses. Equivalente
enlevo punitivo ocupava os jornais dos protestantes, Tinham sido poupados quase
todos, contando entre eles medos de cem vítimas, porque em boa verdade aquele
desastre se dirigia apenas aos papistas, como um solene aviso do Senhor.
Lillias
julgou-se em cima de um ser vivo, porque parecia haver um sentimento na forma
como o chão se debatia. Aquilo que dentre dele se resolvia levava-o rugir,
ferido de morte. Escancarou uma enorme goela na encosta onde Lillias havia de
encontrar-se, se tivesse avançado um minuto antes. A lama negra fumegava, como
o bolo de alguma monstruosa digestão. O enxofre vinha directamente arremessado
do inferno.
Quinze dias depois do
cataclismo, ainda as pedras estavam fumegantes. Continham tal calor que
incendiavam as cestas em que as queriam retirar. Tomás, que se julgava
preparado para qualquer cenário, arrepiou-se. Ladrão de aldeia, não dispunha de
modelo que lhe servisse de comparação. Sabia apenas, por ouvir dizer, que por
Lisboa andava muita gente e que, em ruas inteiras, as mulheres, dependuradas à
janela, entre craveiros, exibiam o seio a quem passasse.
O melhor é ler o livro e encontrar toda a força desta rapariguinha, o Convento de Mafra, local de segurança, e o caos que um dos maiores terramotos causou. A BE empresta.
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