06/11/2014

SOPHIA

 A coisa mais antiga de que me lembra é uma tarde de Primavera em que eu talvez ainda não tivesse nascido. Pelo menos não me lembro de estar ali - só me lembro da claridade difusa daquele quarto em que a Primavera entrava.  Uma calma infinita poisava sobre as coisas - como se fosse o princípio do mundo e tudo estivesse ainda intocado.

  E eu vi uma mulher alta e branca atravessar o quarto e abrir a janela. Um cheiro de terra e de rosas e de tílias subia do jardim. Com certeza tinha chovido. Contra a luz os cabelos da mulher ficaram loiros e eram como um halo de nevoeiro doirado. Mas havia nesse doirado um tal ardor, um fogo tão intenso e tão secreto que toda a minha paz foi subitamente destruída.
Sophia de Mello Breyner Andresen

6 de novembro de 1919 - 2 de julho 2004

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