Fui onze vezes ao deserto do Sahara. Nos últimos anos, tenho ido sempre, pelo menos uma vez por ano, assim como outros vão a Fátima ou outros a Paris. A devoção tornou-se uma espécie de obsessão, aos olhos dos amigos ou dos estranhos: perguntam-me frequentemente o que é que eu lá procuro e o que é que encontro. (...)
Mas o deserto raras vezes é aquela coisa sempre poética e deslumbrante do filme do Bertolucci, com dunas cor-de-rosa e vermelhas ao pôr-do-sol.
A maior parte das vezes, longe das caravanas de camelos para os turistas da «photo opportunity», é um terreno áspero, duro, feito de calhaus e terra escurecida, sem árvores, sem dunas, sem pássaros, sem água nem rios, sem nenhum sinal de vida - como uma Lua debaixo do Sol. A progressão lenta e massacrante, a paisagem é monótona e triste, as jornadas são esgotantes e vazias de acontecimentos: tudo nos faz desesperar por um acampamento ao fim do dia, dois litros de água para limpar o pó da cara e da cabeça, uma lareira, uma sopa quente, uma conversa que engane as saudades de casa.
Sul, Miguel Sousa Tavares
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